Ser eclético: flexibilidade ou falta de personalidade?

15/05/2019

“Eis aqui este sambinha, feito numa nota só / outras notas vão entrar, mas a base é uma só”. A música saía das caixas de som de um Volkswagen Santana. Era um dos seis CDs que estavam na disqueteira, que ficava posicionada dentro do porta-malas do carro.

“Pai, que música chata. Vamos colocar um Raimundos?”, pediu o garoto com um sentimento de leve desespero, afinal a música além de bobinha era pré-histórica. O ano provavelmente era 1996. O garoto era eu e o pai era o meu. Foi o início de uma rápida conversa que me marcou bastante e que trouxe ensinamentos que me são úteis até hoje.

Naquele fim de tarde — ele voltando do trabalho e eu da aula de inglês — meu pai usou uma expressão que ainda não me era muito familiar; ele me disse que era importante ser eclético. Você precisa ouvir um pouco de tudo, conhecer músicas e estilos além do rock que você tanto gosta. Não é porque não é rock que necessariamente não é bom. Não é porque não é rock que é inferior. E não é porque é rock que é superior a tudo. Ele estava certo. Aliás, quase sempre ele está.

Além de me alertar para o fato de que existiam outros estilos musicais e que abrir a mente seria importante, meu pai também me falou que existiam artistas brilhantes nessas outras searas e que valeria a pena eu me exercitar para ouvir e compreender aquelas composições pois certamente passaria a respeitar o que eu considerava, digamos, diferente. De imediato foi um pouco sofrido para aquele adolescente dar espaço para sons como, por exemplo, samba ou música caipira. Mas com o tempo fui descobrindo maravilhas como Adoniran Barbosa, Tom Jobim, Luiz Melodia, Almir Sater, Ney Matogrosso, João Gilberto, Novos Baianos, entre tantos outros artistas para os quais eu — até então — não havia dado oportunidade. Meu negócio era rock’n’roll e afins não muito distantes de sua essência. Mas quanto mais você vai se permitindo conhecer o diferente, maior é seu desejo por novidades. Foi aí que conheci Arrigo Barnabé, Hermeto Pascoal e outras peculiaridades musicais, por assim dizer. Uma simples conversa naquele Santana que, anos depois, me seria tão útil na profissão e na vida. Me refiro à conversa, não ao Santana. Quem foi bastante útil para mim foi um Monza, conhecido como Camurça, mas isto é assunto para um próximo texto.

De 2005 a 2007, tive o privilégio de trabalhar com uma das pessoas mais cultas que já conheci: Jayme Serva, que era meu diretor de criação na Milk Comunicação. O Jayme dizia que

a cultura, ou melhor, a dimensão dos conhecimentos de um publicitário deve ser, idealmente, como a Lagoa de Araruama, ali perto de Búzios: muito ampla e pouco profunda. Conhecer um pouco de tudo, com propriedade (isso é fundamental, nestes tempos de fake-news), mas sem necessariamente ter profundidade científica sobre tudo.

Esse trecho aqui destacado são palavras dele, que confirmou a minha lembrança quando eu estava escrevendo este artigo. É simplesmente uma forma diferente — e não tão musical — de dizer o que o meu pai já havia me falado quase dez anos antes e que tão bem se aplica na profissão que eu escolhi.

Tempos depois, no Bootcamp de Planejamento de Comunicação da Miami Ad School, minha turma e eu fomos bastante estimulados a ampliar nosso repertório. De experiências, de referências, de conteúdo. Praticamente todos os professores nos lembravam que para se trabalhar na nossa área é preciso conhecer um pouco de tudo do mundo; todo tipo de gente, de música, de lugar, de arte, de negócio, de comida, de cultura. Enfim, mais uma amostra de como o exemplo musical pode se aplicar aos negócios e à vida: a importância de se ter um vasto repertório.

E como a vida dá voltas, no mesmo período em que eu trabalhava em São Paulo — acredito que em 2005 — assisti a uma palestra do Sergio Valente, então Presidente da DM9 (provavelmente era este o cargo dele na época) na Semana de Criação Publicitária da Escola Panamericana de Artes. Em sua fala, Sergio cita uma música que tem grande significado em sua vida. Ironicamente, a música se chama “Samba de uma nota só”. Não me recordo 100% do motivo, mas se não me falha a memória, ele dizia que no mundo da publicidade, ter um conceito muito bem pensado para uma marca é fundamental, pois um bom conceito pode durar muitos anos e permite que você crie de diferentes formas sob este mesmo conceito. Por quantos anos vimos campanhas da Skol como a cerveja que desce redondo? Uma campanha melhor que a outra. É, realmente, fazer um samba com apenas uma nota. Coisa para poucos e bons. De fato não me recordo se foi esta a relação que ele fez entre a música ou se era apenas sobre a importância de se criar conceitos de assimilação simples. Mas, seja por um ou outro motivo, fica a lição de que o que você recusa hoje pode ser o que você vive amanhã. E, é claro, que é possível fazer um samba com uma nota só.

Por todas minhas vivências e pelo aprendizado que tive, posso dizer que, para mim, ser eclético foi um bom negócio (mesmo porque, mesmo sendo eclético sempre respeitei alguns limites que não podem ser ultrapassados jamais. O mais grave deles se chama pagode). Por outro lado, também vejo sempre muitas defesas sobre a importância de ser especialista em algo, e não um generalista. Você tem que ser excelente em alguma coisa para se destacar, pois não é possível ser bom em tudo. Agora quero saber: você tem alguma opinião a respeito deste dilema? Ser eclético é sinal de flexibilidade e de amplitude ou é apenas falta de personalidade? Ser eclético significa abrir mão de sua essência? Se puder, me conte, pois vou gostar muito de aprender com as suas experiências.

Ivan Malusá Romanini

Outros artigos

Veja todos os artigos

    Escreva para a Sim e vamos pensar juntos sobre seus negócios