“Eis aqui este sambinha, feito numa nota só / outras notas vão entrar, mas a base é uma só”. A música saía das caixas de som de um Volkswagen Santana. Era um dos seis CDs que estavam na disqueteira, que ficava posicionada dentro do porta-malas do carro.
“Pai, que música chata. Vamos colocar um Raimundos?”, pediu o garoto com um sentimento de leve desespero, afinal a música além de bobinha era pré-histórica. O ano provavelmente era 1996. O garoto era eu e o pai era o meu. Foi o início de uma rápida conversa que me marcou bastante e que trouxe ensinamentos que me são úteis até hoje.
Naquele fim de tarde — ele voltando do trabalho e eu da aula de inglês — meu pai usou uma expressão que ainda não me era muito familiar; ele me disse que era importante ser eclético. Você precisa ouvir um pouco de tudo, conhecer músicas e estilos além do rock que você tanto gosta. Não é porque não é rock que necessariamente não é bom. Não é porque não é rock que é inferior. E não é porque é rock que é superior a tudo. Ele estava certo. Aliás, quase sempre ele está.
Além de me alertar para o fato de que existiam outros estilos musicais e que abrir a mente seria importante, meu pai também me falou que existiam artistas brilhantes nessas outras searas e que valeria a pena eu me exercitar para ouvir e compreender aquelas composições pois certamente passaria a respeitar o que eu considerava, digamos, diferente. De imediato foi um pouco sofrido para aquele adolescente dar espaço para sons como, por exemplo, samba ou música caipira. Mas com o tempo fui descobrindo maravilhas como Adoniran Barbosa, Tom Jobim, Luiz Melodia, Almir Sater, Ney Matogrosso, João Gilberto, Novos Baianos, entre tantos outros artistas para os quais eu — até então — não havia dado oportunidade. Meu negócio era rock’n’roll e afins não muito distantes de sua essência. Mas quanto mais você vai se permitindo conhecer o diferente, maior é seu desejo por novidades. Foi aí que conheci Arrigo Barnabé, Hermeto Pascoal e outras peculiaridades musicais, por assim dizer. Uma simples conversa naquele Santana que, anos depois, me seria tão útil na profissão e na vida. Me refiro à conversa, não ao Santana. Quem foi bastante útil para mim foi um Monza, conhecido como Camurça, mas isto é assunto para um próximo texto.
De 2005 a 2007, tive o privilégio de trabalhar com uma das pessoas mais cultas que já conheci: Jayme Serva, que era meu diretor de criação na Milk Comunicação. O Jayme dizia que
a cultura, ou melhor, a dimensão dos conhecimentos de um publicitário deve ser, idealmente, como a Lagoa de Araruama, ali perto de Búzios: muito ampla e pouco profunda. Conhecer um pouco de tudo, com propriedade (isso é fundamental, nestes tempos de fake-news), mas sem necessariamente ter profundidade científica sobre tudo.
Esse trecho aqui destacado são palavras dele, que confirmou a minha lembrança quando eu estava escrevendo este artigo. É simplesmente uma forma diferente — e não tão musical — de dizer o que o meu pai já havia me falado quase dez anos antes e que tão bem se aplica na profissão que eu escolhi.
Tempos depois, no Bootcamp de Planejamento de Comunicação da Miami Ad School, minha turma e eu fomos bastante estimulados a ampliar nosso repertório. De experiências, de referências, de conteúdo. Praticamente todos os professores nos lembravam que para se trabalhar na nossa área é preciso conhecer um pouco de tudo do mundo; todo tipo de gente, de música, de lugar, de arte, de negócio, de comida, de cultura. Enfim, mais uma amostra de como o exemplo musical pode se aplicar aos negócios e à vida: a importância de se ter um vasto repertório.
E como a vida dá voltas, no mesmo período em que eu trabalhava em São Paulo — acredito que em 2005 — assisti a uma palestra do Sergio Valente, então Presidente da DM9 (provavelmente era este o cargo dele na época) na Semana de Criação Publicitária da Escola Panamericana de Artes. Em sua fala, Sergio cita uma música que tem grande significado em sua vida. Ironicamente, a música se chama “Samba de uma nota só”. Não me recordo 100% do motivo, mas se não me falha a memória, ele dizia que no mundo da publicidade, ter um conceito muito bem pensado para uma marca é fundamental, pois um bom conceito pode durar muitos anos e permite que você crie de diferentes formas sob este mesmo conceito. Por quantos anos vimos campanhas da Skol como a cerveja que desce redondo? Uma campanha melhor que a outra. É, realmente, fazer um samba com apenas uma nota. Coisa para poucos e bons. De fato não me recordo se foi esta a relação que ele fez entre a música ou se era apenas sobre a importância de se criar conceitos de assimilação simples. Mas, seja por um ou outro motivo, fica a lição de que o que você recusa hoje pode ser o que você vive amanhã. E, é claro, que é possível fazer um samba com uma nota só.
Por todas minhas vivências e pelo aprendizado que tive, posso dizer que, para mim, ser eclético foi um bom negócio (mesmo porque, mesmo sendo eclético sempre respeitei alguns limites que não podem ser ultrapassados jamais. O mais grave deles se chama pagode). Por outro lado, também vejo sempre muitas defesas sobre a importância de ser especialista em algo, e não um generalista. Você tem que ser excelente em alguma coisa para se destacar, pois não é possível ser bom em tudo. Agora quero saber: você tem alguma opinião a respeito deste dilema? Ser eclético é sinal de flexibilidade e de amplitude ou é apenas falta de personalidade? Ser eclético significa abrir mão de sua essência? Se puder, me conte, pois vou gostar muito de aprender com as suas experiências.