Amizades transformam vidas

11/07/2019

Entrei pela porta de madeira que tinha um visor de vidro quadrado ao centro e visualizei oitenta carteiras universitárias. Era o início do ano de 2001 e aquele era meu primeiro dia de aula na faculdade. Escolhi sentar na segunda fileira (para ficar lá na frente mas não parecer CDF), um pouco mais à esquerda em relação à visão do professor. Inacreditavelmente estava bem ali o Luiz Roberto, um amigo com quem eu havia estudado de 1987 a 1997 no Colégio Piracicabano, um tempo que guardo com muito carinho em meu coração. Minutos depois se aproxima de nós um rapaz meio baixinho, de cabelos lisos e um pouco compridos cobertos por um boné preto que trazia bordado em verde o seu nickname de mIRC. Seu nome era Breno. Seu nick era Tchaikovsky. Ele veio de Barretos para, assim como nós, estudar Publicidade e Propaganda.

Havia mais uma carteira vaga ao nosso lado e quem a ocupou foi — para nós — um velho de trinta e quatro anos chamado João Marcos. Ele não apenas pagava integralmente suas próprias contas como era casado, dirigia, tinha carro (se não me falha a memória, na época era um Del Rey) e três filhos. Era praticamente um sábio ancião que, com seu vozeirão e estatura avantajada, chamava a atenção quando falava. Sua presença marcante incomodava um loirinho todo estiloso que, vindo de Santa Cruz das Palmeiras, havia optado por ficar no fundão, no canto oposto da sala. O Cadu achava o João Marcos um mala.

Luiz Roberto virou Betonis. Breno virou Brenim. João Marcos virou Johny e Cadu virou Carlos (só para contrariar). Carlos descobriu que Johny não era um mala. Juntos formamos a Bulzara, que era a nossa agência na faculdade. Para quem não sabe, é muito comum nos cursos de PP que os projetos de diversas disciplinas sejam feitos por grupos organizados como se fossem agências de publicidade. Para nós, a Bulzara foi muito além de um grupo de faculdade. Bulzara é a marca da nossa amizade. E nossa amizade foi além dos quatro anos de faculdade, já tem mais de dezoito anos e foi mantida por um simples detalhe: nós a cultivamos. Mesmo com alguns morando em diferentes cidades, periodicamente nos encontramos. Mais recentemente, com o Whatsapp, a comunicação ficou mais simples e constante, dando uma sensação ainda maior de presença.

Essa amizade, construída no ambiente universitário, também gerou relações profissionais. Betonis se tornou um fotógrafo incrível (além de professor adorado por seus alunos), com quem já tive a satisfação de trabalhar em projetos conjuntos, que foram abrilhantados pelas imagens que ele produziu. Trabalhei com o Brenim em duas agências diferentes e juntos atendemos diversos clientes. Chegamos até a morar juntos por algum tempo. Johny se tornou escritor; já escreveu livro para um projeto que coordenei, já ajudei a revisar um de seus livros, ele já foi meu cliente e também sou seu cliente (além de escrever profissionalmente, ele tem uma banca que vende chocolates e doces no mercado municipal). Carlos talvez não saiba, mas me deu conselhos em uma mesa de bar que estão mudando a forma como eu conduzo os meus negócios aqui na agência. Além de ele ser uma espécie de coach informal nos dias atuais, no passado formamos a cozinha (baixo + bateria) da Zinco65, banda que deve ter faturado cachês de pouco mais de quinhentos reais em toda sua história, mas o suficiente para ninguém poder dizer que nunca fizemos negócios juntos.

Outras amizades surgiram em diferentes situações. Trabalhei por pouco mais de um ano em uma empresa de comunicação visual e foi o emprego em que provavelmente mais dei risada em minha vida. Éramos um bando de moleques se autozuando (inventei agora esta palavra) o tempo todo. Um desses moleques, o Magrinho, tem hoje sua própria empresa de comunicação visual e é um dos melhores parceiros que temos aqui na agência. O contato não foi sempre constante, mas a afinidade nunca deixou de existir. Tempos depois tive minha tão sonhada experiência em agência de publicidade em São Paulo. Esta talvez tenha sido uma das vivências mais transformadoras em minha carreira. Trabalhar na Milk me fez amadurecer profissionalmente e me permitiu conhecer dois profissionais que muito admiro, meus então patrões Ricardo e Jayme. A relação profissional diária durou menos de dois anos, mas ficamos amigos de verdade e hoje a Milk é uma super parceira-cliente-referência-musainspiradora-etc. Tudo isso porque o que prevaleceu acima de tudo foi a amizade.

Muitas vezes nós nos preocupamos muito em construir relações —  o tal do networking — mas nem sempre nos preocupamos adequadamente com a manutenção dessas relações. Pode ser com um amigo, pode ser com um cliente, com um fornecedor, com um parceiro comercial, com um parceiro afetivo, com os pais, com os filhos… toda relação precisa ser cultivada e sem uma visão imediatista. As conquistas vêm com o tempo, e vêm mais fortes e verdadeiras.

Às vezes me pego pensando: como seria se eu tivesse sentado em outro lugar da sala de aula? Teria formado a mesma amizade com as mesmas pessoas? Quanto as nossas escolhas — às vezes conscientes e às vezes inconscientes — impactam nos rumos de nossa vida? Para se ter uma ideia, conheci minha esposa por meio de uma amiga em comum, que é uma ex-namorada do Cadu. E elas se conheceram ao acaso, em uma praça em São Carlos, enquanto procuravam lugar para morar quando também estavam nos primeiros dias de aula na faculdade. Se eu tivesse me sentado em outro lugar da sala de aula, será que eu seria o pai da Elisa? Jamais saberei, mas sei que tudo o que fazemos, de alguma forma, é determinante para nossa vida.

 

 

 

 

Ivan Malusá Romanini

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